1.2 A ATMOSFERA
A atmosfera é uma camada relativamente fina de gases e material particulado (aerossóis) que envolve a Terra. De fato, 99% da massa da atmosfera está contida numa camada de ~0,25% do diâmetro da Terra (~32 km). Esta camada é essencial para a vida e o funcionamento ordenado dos processos físicos e biológicos sobre a Terra. A atmosfera protege os organismos da exposição a níveis arriscados de radiação ultravioleta, contém os gases necessários para os processos vitais de respiração celular e fotossíntese e fornece a água necessária para a vida.
Fig. 1.1 Composição do ar seco
a) Composição da Atmosfera
A composição do ar não é constante nem no tempo, nem no espaço. Contudo se removêssemos as partículas suspensas, vapor d'água e certos gases variáveis, presentes em pequenas quantidades, encontraríamos uma composição muito estável sobre a Terra, até uma altitude de ~ 80 km (Fig. 1.1 e Tab. 1.1).
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Tabela 1.1 Principais gases do ar seco
O nitrogênio e o oxigênio ocupam até 99% do volume do ar seco e limpo. A maior parte do restante 1% é ocupado pelo gás inerte argônio. Embora estes elementos sejam abundantes eles tem pouca influência sobre os fenômenos do tempo. A importância de um gás ou aerossol atmosférico não está relacionado a sua abundância relativa. Por exemplo, o dióxido de carbono, o vapor d'água, o ozônio e os aerossóis ocorrem em pequenas concentrações mas são importantes para os fenômenos meteorológicos ou para a vida.
Embora constitua apenas 0,03% da atmosfera, o dióxido de carbono é essencial para a fotossíntese:
Por ser um eficiente absorvedor de energia radiante (de onda longa) emitida pela Terra, ele influencia o fluxo de energia através da atmosfera, fazendo com que a baixa atmosfera retenha o calor, tornando a Terra própria à vida. O percentual de dióxido de carbono vem crescendo devido à queima de combustíveis fósseis tais como o carvão, petróleo e gás natural. Muito do dióxido de carbono adicional é absorvido pelas águas dos oceanos ou usado pelas plantas mas em torno de 50% permanece no ar. Projeções indicam que na 2ª metade do próximo século os níveis de serão o dobro do que eram no início do século 20. Embora o impacto deste crescimento seja difícil de prever, acredita-se que ele trará um aquecimento na baixa troposfera e portanto produzirá mudanças climáticas globais.
O vapor d'água é um dos mais variáveis gases na atmosfera e também tem pequena participação relativa. Nos trópicos úmidos e quentes constitui não mais que 4% do volume da baixa atmosfera, enquanto sobre os desertos e regiões polares pode constituir uma pequena fração de 1%. Contudo, sem vapor d'água não há nuvens, chuva ou neve. Além disso, o vapor d'água também tem grande capacidade de absorção, tanto da energia radiante emitida pela Terra (em ondas longas), como também de alguma energia solar. Portanto, junto com o , o vapor d'água atua como uma manta para reter calor na baixa atmosfera. Como a água é a única substância que pode existir nos 3 estados (sólido, líquido e gasoso) nas temperaturas e pressões existentes normalmente sobre a Terra, suas mudanças de estado absorvem ou liberam calor latente. Desta maneira, calor absorvido em uma região é transportado por ventos para outros locais e liberado. O calor latente liberado, por sua vez, fornece a energia que alimenta tempestades ou modificações na circulação atmosférica.
O ozônio, a forma triatômica do oxigênio (), é diferente do oxigênio que respiramos, que é diatômico (). Ele tem presença relativamente pequena e distribuição não uniforme, concentrando-se entre 10 e 50 km (e em quantidades bem menores, no ar poluído de cidades), com um pico em torno de 25 km. Sua distribuição varia também com a latitude, estação do ano, horário e padrões de tempo, podendo estar ligada a erupções vulcânicas e atividade solar. A formação do ozônio na camada entre 10-50 km é resultado de uma série de processos que envolvem a absorção de radiação solar. Moléculas de oxigênio () são dissociadas em átomos de oxigênio após absorverem radiação solar de ondas curtas (ultravioleta). O ozônio é formado quando um átomo de oxigênio colide com uma molécula de oxigênio em presença de uma 3ª molécula que permite a reação mas não é consumida no processo . A concentração do ozônio nesta camada deve-se provavelmente a dois fatores:
(2) a densidade da atmosfera é suficiente para permitir as colisões necessárias entre oxigênio molecular e oxigênio atômico.
Além de gases, a atmosfera terrestre contém pequenas partículas, líquidas e sólidas, chamadas aerossóis. Alguns aerossóis - gotículas de água e cristais de gelo - são visíveis em forma de nuvens. A maior concentração é encontrada na baixa atmosfera, próximo a sua fonte principal, a superfície da Terra. Eles podem originar-se de incêndios florestais, erosão do solo pelo vento, cristais de sal marinho dispersos pelas ondas que se quebram, emissões vulcânicas e de atividades agrícolas e industriais. Alguns aerossóis podem originar-se na parte superior da atmosfera, como a poeira dos meteoros que se desintegram. Embora a concentração dos aerossóis seja relativamente pequena, eles participam de processos meteorológicos importantes. Em 1° lugar, alguns aerossóis agem como núcleos de condensação para o vapor d'água e são importantes para a formação de nevoeiros, nuvens e precipitação. Em 2° lugar, alguns podem absorver ou refletir a radiação solar incidente, influenciando a temperatura. Assim, quando ocorrem erupções vulcânicas com expressiva liberação de poeira, a radiação solar que atinge a superfície da Terra pode ser sensivelmente alterada. Em 3° lugar, a poeira no ar contribui para um fenômeno ótico conhecido: as várias tonalidades de vermelho e laranja no nascer e pôr-do-sol.
b) Estrutura Vertical da Atmosfera
b.1) Perfis Verticais de Pressão e Densidade
Fig. 1.2 Perfil vertical médio da pressão do ar
Sabemos que o ar é compressível, isto é, seu volume e sua densidade são variáveis. A força da gravidade comprime a atmosfera de modo que a máxima densidade do ar (massa por unidade de volume) ocorre na superfície da Terra. O decréscimo da densidade do ar com a altura é bastante rápido (decréscimo exponencial) de modo que na altitude de ~5,6 km a densidade já é a metade da densidade ao nível do mar e em ~16 km já é de apenas 10% deste valor e em ~32 km apenas 1%.
O rápido decréscimo da densidade do ar significa também um rápido declínio da pressão do ar com a altitude. A pressão da atmosfera numa determinada altitude é simplesmente o peso da coluna de ar com área de seção reta unitária, situada acima daquela altitude. No nível do mar a pressão média é de ou , que corresponde a um peso de 1kg de ar em cada . O perfil vertical médio da pressão do ar é mostrado na Fig. 1.2. O decréscimo da densidade do ar segue uma curva semelhante. Não é possível determinar onde termina a atmosfera, pois os gases se difundem gradualmente no vazio do espaço.
Quando estudarmos a pressão atmosférica, discutiremos uma interpretação física da Fig. 1.2.
b.2) Perfil Vertical de Temperatura
Fig. 1.3 - Perfil vertical médio de temperatura na atmosfera
Por conveniência de estudo a atmosfera é usualmente subdividida em camadas concêntricas, de acordo com o perfil vertical médio de temperatura (Fig. 1.3).
A camada inferior, onde a temperatura decresce com a altitude, é a troposfera, que se estende a uma altitude média de 12 km (~ 20 km no equador e ~ 8 km nos pólos). Nesta camada a taxa de variação vertical da temperatura tem valor médio de 6,5°C/km. Esta taxa na realidade, é bastante variável. De fato, algumas vezes a temperatura cresce em finas camadas, caracterizando uma inversão de temperatura. A troposfera é o principal domínio de estudo dos meteorologistas, pois é nesta camada que ocorrem essencialmente todos os fenômenos que em conjunto caracterizam o tempo. Na troposfera as propriedades atmosféricas são facilmente transferidas por turbulência de grande escala e mistura. O seu limite superior é conhecido como tropopausa.
A camada seguinte, a estratosfera ,se estende até ~50 km. Inicialmente, por uns 20 km, a temperatura permanece quase constante e depois cresce até o topo da estratosfera, a estratopausa. Temperaturas mais altas ocorrem na estratosfera porque é nesta camada que o ozônio está concentrado. Conforme mencionamos, o ozônio absorve radiação ultravioleta do sol. Consequentemente, a estratosfera é aquecida.
Na mesosfera a temperatura novamente decresce com a altura, até a mesopausa, que está em torno de 80 km, onde atinge ~ -90°C. Acima da mesopausa, e sem limite superior definido, está a termosfera, onde a temperatura é inicialmente isotérmica e depois cresce rapidamente com a altitude, como resultado da absorção de ondas muito curtas da radiação solar por átomos de oxigênio e nitrogênio. Embora as temperaturas atinjam valores muito altos, estas temperaturas não são exatamente comparáveis àquelas experimentadas próximo a superfície da Terra. Temperaturas são definidas em termos da velocidade média das moléculas. Como as moléculas dos gases da termosfera se movem com velocidades muito altas, a temperatura é obviamente alta. Contudo, a densidade é tão pequena que muito poucas destas moléculas velozes colidiriam com um corpo estranho; portanto, só uma quantidade insignificante de energia seria transferida. Portanto, a temperatura de um satélite em órbita seria determinada principalmente pela quantidade de radiação solar que ele absorve e não pela temperatura do ar circundante.
Os perfis verticais de pressão e temperatura do ar (Figs. 1.2 e 1.3) aqui apresentados são baseados na atmosfera padrão, um modelo da atmosfera real. Representa o estado da atmosfera numa média para todas as latitudes e estações. Ela apresenta valores fixos da temperatura e pressão do ar ao nível do mar (15°C e 1013,25mb) e perfis verticais fixos de temperatura e pressão.
c) A Ionosfera
Entre as altitudes de 80 a 900 km (na termosfera) há uma camada com concentração relativamente alta de íons, a ionosfera. Nesta camada a radiação solar de alta energia de ondas curtas (raios X e radiação ultravioleta) tira elétrons de moléculas e átomos de nitrogênio e oxigênio, deixando elétrons livres e íons positivos. A maior densidade de íons ocorre próximo a 300 km. A concentração de íons é pequena abaixo de 80 km porque nestas regiões muito da radiação de ondas curtas necessária para ionização já foi esgotada. Acima de ~400 km a concentração é pequena por causa da extremamente pequena densidade do ar, possibilitando a produção de poucos íons.
A estrutura da ionosfera consiste de 3 camadas de densidade variável de íons: as camadas D, E e F, com altitude e densidade de íons crescente. Como a produção de íons requer a radiação solar direta, a concentração de íons diminui do dia para a noite, particularmente nas camadas D e E, onde os elétrons se recombinam com íons positivos durante a noite. A taxa de recombinação depende da densidade do ar, isto é, quanto mais denso o ar maior a probabilidade de colisão e recombinação das partículas. Assim, a camada D desaparece à noite, a camada E se enfraquece consideravelmente, mas a camada F continua presente à noite, embora enfraquecida, pois a densidade nesta camada é muito pequena.
A ionosfera tem pequeno impacto sobre o tempo, mas tem grande influência sobre a transmissão de ondas de rádio na banda AM. Durante o dia as ondas de rádio tendem a ser absorvidas nas dois camadas mais baixas, especialmente na camada D. A camada F reflete as ondas de rádio durante o dia e a noite. Contudo , mesmo que as ondas consigam atravessar as camadas D e E e ser refletidas na camada F, elas serão absorvidas no seu caminho de volta para a Terra. À noite, contudo, a camada absorvedora D desaparece e as ondas podem atingir a camada F mais facilmente e ser refletidas para a superfície da Terra. Isto explica porque à noite os sinais de rádio atingem grandes distâncias sobre a Terra (Fig. 1.4).
Fig. 1.4 - Influência da Ionosfera sobre a transmissão de ondas de rádio.
Na ionosfera ocorre também o fenômeno da aurora boreal (no Hemisfério Norte) ou austral (no Hemisfério Sul). As auroras estão relacionadas com o vento solar , um fluxo de partículas carregadas, prótons e elétrons, emanadas do sol com alta energia. quando estas partículas se aproximam da Terra, elas são capturadas pelo campo magnético da Terra. Sob a ação da força exercida pelo campo magnético sobre cargas em movimento (), elas descrevem trajetórias espiraladas ao longo das linhas de indução do campo magnético terrestre, movendo-se para frente e para trás entre os pólos magnéticos sul e norte, onde são "refletidas" devido ao aumento do campo magnético. Estes elétrons e prótons aprisionados constituem os chamados "cinturões radioativos de Van Allen". Algumas partículas acompanham o campo magnético da Terra em direção aos pólos geomagnéticos, penetrando na ionosfera, onde colidem com átomos e moléculas de oxigênio e nitrogênio, que são temporariamente energizados. Quando estes átomos e moléculas retornam do seu estado energético excitado, eles emitem energia na forma de luz, o que constitui as auroras. As zonas de maior ocorrência das auroras situam-se em torno de 20-30° ao redor dos pólos geomagnéticos (76°N, 102°W; 68°S, 145°E). A atividade auroral varia com a atividade do sol. Quando o sol está calmo, a zona auroral diminui; quando o sol está ativo (com explosões solares), intensificando o vento solar, a zona auroral se expande em direção ao equador.
No próximo capítulo o maior objetivo é examinar a força motora do tempo. Para isto, é necessária a compreensão do fornecimento de energia pelo Sol e das conversões de energia na atmosfera.
Para saber mais sobre auroras e campo magnético terrestre:
BRIEN, J. O., 1963: Radiation belts, Scientific American, 208, 5, 84-96.
AKASOFU,S.I., 1989: The dynamic aurora, Scientific American, 260, 5, 54-63.
Próximo Tópico: Capítulo 2 - Radiação Solar e Terrestre. Balanço de Calor
Tópico Anterior: O que é Meteorologia?
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